Na lição 2 da Escola Bíblica Dominical (estudada no último domingo), das Lições Bíblicas deste trimestre (CPAD), está escrito: “Em Lucas 3.16, o fogo é apresentado como elemento purificador na vida de quem recebe o batismo com o Espírito Santo”.
Mas, como explicar o fato de João Batista ter falado do fogo do juízo
e, no mesmo contexto imediato, aludir a uma ministração do Espírito
Santo?
Em
Lucas 3.16, lemos: “Eu, na verdade, batizo-vos com água, mas eis que
vem aquele que é mais poderoso do que eu, a quem não sou digno de
desatar a correia das sandálias; este vos batizará com o Espírito Santo e
com fogo”. Essa passagem e também Mateus 3.11 nos apresentam, a rigor, dois tipos de batismo: (a) em águas, para arrependimento, e (b) com o Espírito Santo e com o fogo, um revestimento de poder para os salvos em Cristo (cf. Lc 24.49; At 1.5,8; 2.1-4).
Para
interpretar as passagens bíblicas corretamente, além da iluminação do
Espírito, precisamos levar em conta os princípios da Hermenêutica
Bíblica — a arte e a ciência de interpretar os textos das Escrituras. E a
principal função dessa matéria é aclarar passagens de difícil
compreensão (cf. 2 Pe 3.16), conquanto seja também muito útil na
interpretação geral das Escrituras.
O princípio dos princípios de interpretação (a regra áurea) da Hermenêutica Bíblica é: A Bíblia interpreta a própria Bíblia (cf. 2 Pe 1.20,21). Ou seja, as Escrituras são análogas. E, nesse caso, para interpretar uma passagem bíblica, é preciso considerar todos os tipos de contextos: (a) contexto geral; (b) contexto imediato; (c) contexto remoto: há alusões do Gênesis em Hebreus, por exemplo, que complementam o que está no primeiro livro do Antigo Testamento; (d) contexto referencial: passagens paralelas; (e) contexto histórico: época, cultura, ocasião, propósito original dos textos em estudo, etc.; (f) contexto literário: cada parágrafo é uma unidade de pensamento da revelação da Bíblia; (g) contexto cultural: estudo sobre os povos bíblicos.
No caso de Lucas 3.16 (ou Mateus 3.11), o contexto imediato não é suficiente para uma correta interpretação. Por quê? Porque, por
meio dele, o exegeta pode ser induzido a interpretar, apressadamente,
que há mesmo uma distinção entre o batismo com o Espírito Santo (uma
bênção) e o batismo com fogo (juízo divino). E essa conclusão não é
corroborada por todos os contextos mencionados.
Em
primeiro lugar, o próprio Senhor Jesus, antes de sua ascensão, fez
menção do revestimento de poder aludido por João Batista nos seguintes
termos: “Porque, na verdade, João batizou com água, mas vós sereis
batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias” (At 1.5).
Observe que o
Senhor não apresenta o “batismo com fogo”, dando a entender que João
apenas aludiu ao fogo de maneira simbólica, para, mediante seus efeitos, ilustrar as ministrações do Espírito ao crente: iluminação, fervor, purificação, etc.
É
importante considerar que João Batista, a despeito de aparecer no Novo
Testamento, exerceu um ministério profético nos moldes do Antigo
Testamento (Lc 16.16). E para os profetas veterotestamentários era comum falar de bênçãos e juízos de modo intercalado.
Veja o caso de Isaías 61.1-3. O profeta discorre sobre várias bênçãos
trazidas pelo Messias e, ao mesmo tempo, menciona “o dia da vingança do
nosso Deus” (v.2). Em Zacarias 9 ocorre o mesmo: bênçãos e juízos se
intercambiam.
Nesse
caso, o fato de João Batista ter mencionado antes e depois da promessa
do revestimento de poder o juízo por meio do fogo (Mt 3.10-12) não
oferece base suficiente para distinguirmos entre o batismo com o
Espírito e o batismo com fogo.
De acordo com a analogia geral, o fogo não significa apenas juízo, mas também denota purificação, iluminação e fervor propiciados pelo Espírito. E, por isso, no dia de Pentecostes, “foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles” (At 2.3).
De acordo com a analogia geral, o fogo não significa apenas juízo, mas também denota purificação, iluminação e fervor propiciados pelo Espírito. E, por isso, no dia de Pentecostes, “foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles” (At 2.3).
Finalmente,
menciono a opinião do respeitado teólogo pentecostal French L.
Arrington: “O batismo com fogo [...] não diz respeito, pelo menos
primariamente, ao julgamento final e à destruição por fogo dos ímpios,
mas aos acontecimentos momentosos do Livro de Atos. A unção com o
Espírito não é identificada explicitamente com o batismo com o Espírito e
com fogo, mas Jesus
confirma a promessa de João Batista acerca do batismo [...], o qual é
cumprido como ‘línguas de fogo’ que pousaram sobre cada um dos
discípulos” (Comentário Bíblico Pentecostal, CPAD, p.335).
Em Cristo,
Ciro Sanches Zibordi
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